Por dentro do paraíso anárquico da Dinamarca, onde vale quase tudo
Por: Huda Alawa
Tradução: Mayra Bueno
Artigo original em inglês com fotos: http://mic.com/articles/92521/inside-denmark-s-anarchist-paradise
Ao desembarcar na estação de metrô Christianshavn em Copenhagen, verá uma multidão de dinamarqueses bem vestidos, adornados com bolsas e sapatos de marca, andando apressados — típico para a capital da Dinamarca.
Entretanto, a 500 metros da estação, verá uma parede coberta de grafite agindo como um tipo de barreira entre a cidade e Christiania: uma área autônoma de 85 acres que vive sob regras diferentes do resto do país. Os “Christianites”, como chamam a si mesmos, vivem em uma interessante comunidade que serve de refúgio da sociedade comum e cultura dinamarquesa.
Caminhando pelas ruas estreitas de Christiania, pode-se sentir uma rejeição aos aspectos mais básicos da vida capitalista: ao contrário da rotina acelerada dos dinamarqueses, residentes e visitantes são relaxados e andam sem pressa. Aqui, amigos e estranhos se cumprimentam — algo que não se encontra em outras ruas do país.
Há dois caminhos para se entrar: uma pela rua Pusher — a infame rua onde qualquer um pode comprar marijuana* (ilegal no resto da Dinamarca) — e outra que leva para a área residencial, onde o grafite excêntrico cobre as paredes das casas.
Christiania oferece uma janela para como é a vida sob autogoverno e sem propriedade privada. Atualmente, mais de 750 pessoas vivem na comunidade e milhares de turistas visitam todo o ano para experienciar a cultura única.
Um porto seguro para anarquistas
Previamente, sendo um cercado militar pertencente ao governo, Christiania surgiu quando um grupo se apossou da terra desocupada em 1969 em um esforço para convertê-la em um parque infantil ou público.
Pelos dois anos seguintes, houve um cabo-de-guerra entre os ocupantes e o governo até, por fim, em 1971, o cercado ser derrubado de uma vez por todas. Foi quando o jornalista Jacob Lundvigsen publicou um artigo discutindo os diferentes usos para o quartel militar agora aberto ao público. Uma das ideias era convertê-lo em casas com preços acessíveis diferentemente das moradias caras de Copenhagen. Inspirados pelo artigo, anarquistas foram viver em Christiania.
Apesar das sucessivas tentativas de recuperar Christiania, o governo foi mal sucedido. Como resultado, o parlamento dinamarquês decidiu fazer o que qualquer governo faz de melhor: estabelecer regras. Assim, a Lei Christinania surgiu em 1989, uma lei com a qual o governo controlava Christiania e restingia contruções sem aprovação.
Eventualmente, em 1971, os 700 ocupantes originais vivendo na comunidade finalmente ganharam o direito de autonomia e a área ficou conhecida como “Cidade Livre Christiania” (Freetown Christiania).
Vida sob suas próprias regras
Com a sua própria bandeira e moeda, Christiania é um mundo a parte. É autogovernada com algumas poucas regras conhecidas localmente como as Leis Comuns de Christiania: sem brigas, sem armas, sem roubo, sem drogas pesadas.
O objetivo central é claro: viver em uma sociedade onde você tem total controle da sua vida.
É governada por democracia unânime. Significa que as decisões são feitas baseadas no comum acordo entre todos os residentes. Consenso é essencial em como Christiania funciona e são oferecidos vários fóruns para os residentes estarem envolvidos nas decisões da comunidade.
Talvez o mais relevante para os residentes sejam as reuniões onde todos se únem para discutir uma variedade de questões. São nessas ocasiões que a verba anual de Christiania pode ser negociada ou disputas resolvidas. A democracia da comunidade está sempre evoluindo e todos os moradores trabalham juntos para proteger os ideias básicos comuns.
Um mundo sem propriedade privada
Christianites também rejeitam o conceito de posse individual — talvez seja uma reação à sociedade capitalista. É também um ideal que criou desafios específicos.
Isso significou ruas sem carros, mas após 41 anos de existência, a comunidade precisou buscar modos de evoluir. Propriedade privada é rara — com apenas 190 carros particulares de acordo com a Agência de Construção e Propriedade Dinamarquesa. Aqueles que possuem carros não podem mantê-los dentro de Christiania.
Em 2012, tais ideais foram postos à prova pelo governo dinamarquês quando colocou a área à venda por um preço baixo para ser comprada pela comunidade. Significaria que Christiania finalmente seria dona de sua propriedade, mas também significaria violar os próprios princípios.
A compra foi feita e pavimentou o caminho para a lei Christiania ser derrubada em 2013, não sendo mais apenas supervisionada pelo Estado, mas recebendo o status de município. Contudo, o governo garantiu que a comunidade pode continuar sem ser incomodada.
Mesmo que a nova situação fizesse com que não fossem mais ocupantes, mas sim donos de onde moram, alguns membros da comunidade acreditam que foram coagidos a realizar a compra. Afinal de contas, não foi bem uma opção oferecida, foi uma ameaça: se Christiania não comprasse a terra que ocupava, o governo começaria a construir avenidas e edifícios dentro da área.
Tanja Fox, que tinha quatro anos quando a família a trouxe para morar na comunidade, falou para o jornal Time que eles “nunca quiseram ser donos de nada”.
Uma comunidade orgulhosa
“En by i byen: Christiania for dig og mig.” — Uma cidade na cidade: Christiania para você e para mim.
Esse é o lema da cidade e não importa quais mudanças aconteçam, a comunidade existe para não deixar nenhum residente sozinho; os outros residentes sempre estarão lá para ajudar.
Uma coisa é clara: Christianites têm orgulho do que criaram e continuarão a lutar pela autonomia da Cidade Livre Christiania.
*Nota de Tradução: A venda de drogas em Christiania é ilegal.