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Añemohymba

 

 

A jovem Aya  mal continha sua animação, saltitando por quase todo o caminho.


– Chegamos – o lobo-guará que a acompanhava anunciou.


Os dois pararam na frente da loja cuja placa ostentava o nome: Añemohymba. A garota sussurrou o nome e deu um passo à frente. Ela se deslumbrou com o que viu ao entrar. Nas paredes, em estantes de vidro, máscaras de todas as formas, cores e texturas. Umas com longos narizes ou bicos, com fitas, lantejoulas; algumas cobriam o rosto inteiro, outras apenas metade, feitas de gesso, couro ou papel machê, mas todas tão bem feitas que pareciam vivas. Em uma bancada no centro, havia máscaras brancas enfileiradas, todas iguais.


Ela e o lobo foram até o balcão onde uma zoantropo, meio-mulher-meio-cegonha, organizava uns papéis.


– Olá – Aya cumprimentou e apontou para uma das máscaras cheias de penas coloridas. ­­– Eu gostaria de comprar uma dessas.


A moça riu, o que soou mais como um gorjeio, e balançou a cabeça negativamente.


– Essas são só para demonstração, não pode comprá-las.


Ignorando a decepção da garota, a moça saiu de trás do balcão e a levou para a bancada no centro da loja.


– Você começa com uma dessas aqui – ela pegou uma das máscaras brancas. Era dura e lisa. – Ela vai te acompanhar durante sua jornada, vocês se transformarão juntas e se tornarão uma coisa só.


– Eu quero virar uma ave com penas bem bonitas e voar bem alto! – Aya falou com entusiasmo.


– E para onde quer voar?


– Não importa, qualquer lugar.
– Qualquer lugar? – a zoantropo falou amigavelmente. – Se não souber para onde ir seus sapatinhos não saberão para onde te levar, muito menos um par de asas.


A garota olhou para baixo, vendo os tais sapatinhos prateados de que tanto gostava e tentou pensar em uma resposta. Nada veio. Ela realmente não sabia para onde gostaria de ir se tivesse asas. Não tinha um sonho. Ergueu o rosto e pegou a máscara. A mulher-cegonha a ajudou a colocá-la e ela se virou para se ver no espelho.


A zoantropo se retirou para atender outra pessoa que entrara na loja e Aya suspirou profundamente pensando em como aquela camada branca e insossa cobriria seu rosto a partir de agora. Olhou ao redor procurando o lobo-guará para irem embora, mas notou o outro cliente com sua própria máscara, que, entretanto, já começava a se moldar em seu rosto revelando algum tipo de textura.


Ela olhou novamente para o espelho e fitou tristemente sua nova face sem vida.

 

 


 

 

 

 

 

 


– E se eu não virar um pássaro como quero? – Aya pensou alto enquanto arrumava sua mochila. Passara os últimos dias considerando como seria a forma mais prática de se viajar com pouca bagagem. Acabou por se decidir em levar o essencial: algumas mudas de roupa para climas diferentes, uma manta, escova de dente, escova de cabelo, uma garrafa de água, um canivete, outro par de sapato confortável e um livro.


– Pra quê você quer ser um pássaro? – o lobo perguntou bocejando, deitado no tapete.


– Oras, pra voar! – ao redor da mochila, enrolou uma rede de dormir e a amarrou com dois pedaços de corda.
– E ser pássaro é o único jeito de voar?


A garota pensou e deu de ombros. Deixou a mochila de lado e abriu a caixa com a logo da loja Añemohymba estampada. Dentro havia um certificado de compra, um mapa da floresta Arapy, um pedaço de espelho quebrado e um pequeno manual.


Na primeira página, dizia: o titular da máscara Añemohymba se propõe a passar por uma jornada de transformação em busca de sua própria Persona. O objetivo é atravessar a floresta explorando-a o máximo que puder. Mas prepare-se, o caminho pode ser árduo.


Ela folheou o manual sem muito interesse. Achou que tudo faria mais sentido quando chegasse em Arapy.


Poucos dias depois, com uma mochila preparada nas costas, Aya encontrava-se no local que indicava a entrada da floresta no mapa. Respirou fundo e tentou se acalmar. Era difícil saber o que estava por vir.


O lobo ao seu lado cutucou-a com a pata para chamar sua atenção. Ele carregava uma sacola no focinho e entregou para a garota.


– Sua mãe pediu para te entregar – ele esclareceu.


– Obrigada – ela se ajoelhou e o abraçou.


– Não desanime nunca – ele falou com confiança. – Se quiser voar, mesmo sem um par de asas, você vai conseguir voar. Só depende de você.


Ela encheu-se de coragem e vestiu a máscara sobre o rosto. Olhou por cima do ombro para vê-lo ainda ali, observando-a como um pai que finalmente solta a bicicleta da criança para deixá-la andar sozinha, e avançou, passando pelas árvores e entrando naquele novo mundo desconhecido para ela.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Logo ao entrar na floresta, percebeu uma movimentação. Pelo jeito, não era a única recém-chegada. Muitos outros mascarados conversavam, alguns parecendo tão perdidos quanto ela, com faces brancas ou pouco coloridas, outros já com rostos de animais quase completamente formados. Mas não havia ninguém ali com o rosto descoberto.


Toda aquela agitação a deixou confusa. Olhou para trás e pode ver por onde entrara. Bastava alguns passos e ela estaria fora. Mas algo a fazia resistir em dar aqueles passos e desistir da jornada.


Viu como duas garotas, aparentemente também novatas, se afastavam e resolveu se juntar a elas.


– Para onde vão? – perguntou curiosa, ávida por entender um pouco mais sobre aquele lugar.


– Vamos achar um lugar para ficarmos seguras do lobo – uma delas respondeu.


– Quer vir? – a outra convidou.


– Quero... Que lobo?
– Se ficar perdida por aí, sozinha, o lobo te pega.


– E o que acontece se ele nos pegar?


As duas deram de ombros, não sabendo exatamente a resposta, e continuaram andando. Aya achou absurda essa preocupação com lobo, afinal, ela conhecia um que não tinha nada de perigoso e nunca a machucaria, mas não ridicularizaria o medo de alguém que acabara de conhecer.


As árvores grandes pelas quais passavam tinham escadinhas em seus troncos que levavam a uma casa no topo. As que já estavam ocupadas por moradores, ostentavam alguma placa ou escritos nos degraus. Elas visitaram algumas das que estavam vazias buscando uma que agradasse às três.


Após uma longa caminhada, notaram que quanto mais avançavam, mais a mata se fechava. Com o cair do sol, a floresta se escurecia rapidamente. Próximo das árvores acendiam-se pequenas lanternas de papel, iluminando apenas o suficiente para indicar as escadas nos troncos.


Decidiram-se, por fim, por uma das árvores grande o suficiente para estenderem três redes. As estantes eram os próprios galhos, nos quais elas dividiriam espaço com ninhos de pássaros. Ouviram os sons dos animais noturnos acordando. Do alto, Aya podia ver pontos de luz piscando e assistiu a dança dos vagalumes até pegar no sono.


 

 

 

 

 

 

 


Na manhã seguinte, pegou a sacola que sua mãe lhe enviara. Dentro, havia um potinho com bolinhos de chuva e um pacotinho de sementes. Sorriu, saboreando os bolinhos de sua mãe ao máximo, pois depois que acabassem, não sabia quando voltaria a comê-los.


Nos dias que se passaram, por vezes sozinha, por vezes acompanhada com as colegas de casa, saía com o único intuito de explorar a floresta. Traçava uma rota em seu caderno para não precisar consultar com frequência o mapa grande e confuso, e caminhava para descobrir vários dos pontos indicados nele: onde era a casa de uma bruxa, como chegar até o lago ou qual caverna evitar, pois diziam que em uma delas morava um dragão. Chegava tarde da noite, cansada, mas com várias anotações em seu caderno sobre os lugares que visitara.

 

 

 

 

 

 

Glossário:

Añemohymba: (guarani) transformar-se.

Arapy: (guarani) universo.
Aya: (japonês) arte, (hebreu) voar.
Zoantropo: (grego) zoo, animal; antropo, humano

 

 

 

 

 

 

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