Añemohymba
Precisou de alguns dias de viagem, mas estava certa de seu destino. O passarinho azul voava na sua frente e piou alegremente trazendo notícias do fim da floresta.
Passou pela última árvore, deparando-se com um campo aberto, vasto e desconhecido. Apesar de não estar surpresa, ainda sentiu-se intimidada ao ver um gigantesco corpo de leão ostentando três cabeças humanas estirado no chão tomando sol. Ao farejá-la, a esfinge sentou-se e os três pares de olhos se fixaram diretamente em sua pequena forma molenga.
– Araresa – ela se curvou numa demonstração de respeito, embora estivesse trêmula, apresentando a caixa – vim até aqui pedir para que abram o baú, pois sei que o que tem dentro é essencial para mim.
Cada cabeça apresentou uma expressão diferente ante ao pedido. Toda as três ostentavam um terceiro olho na testa. Uma pareceu curiosa, outra séria e outra sorriu.
– Você não é mais a mesma de quando entrou em Arapy – a face do meio, a séria, afirmou.
– E falta muito pouco para terminar a sua transformação – a face da direita, com um sorriso amigável, informou animadamente.
– Era isso o que queria? – a curiosa perguntou.
O primeiro instinto de Aya era responder que não, não era isso que eu queria. Ela viera para Arapy com sua máscara para se tornar um belo pássaro e tudo pelo qual ela passara não a levara ao seu objetivo. Talvez seu sonho não fora forte o suficiente ou talvez suas escolhas não haviam a levado pelo caminho que pensava, mas quando parou para considerar, não se sentia decepcionada. Os céus estavam ainda mais difíceis de serem alcançados, mas agora tinha um mundo novo pela frente para explorar, contanto que o baú se abrisse...
– A jornada valeu a pena, mas ela ainda não terminou – foi o que acabou respondendo.
Os rostos a encararam por longos segundos. Uma das patas de leão foi até o pescoço do meio e pegou uma chave para depois levá-la até o baú e destrancá-lo.
Aya abriu lentamente a tampa e ouviu as batidas antes de ver de onde vinham. Em um fundo de veludo, descansavam dois corações. Com muito cuidado, um de seus tentáculos se enrolou em um e, com a ajuda das ventosas, trouxe-o até o seu bico por onde foi empurrado e engolido. Ela estremeceu, sentindo seu corpo formigar. Repetiu o processo com o outro coração e por alguns minutos, apenas encarou o veludo no fundo do baú, deixando seu corpo se ajustar aos três corações que agora batiam dentro dela.
– Agora... acha que está pronta para sair de vez de Arapy?
A menina-polvo hesitou.
– Não sei... minha jornada não está completa...
– Tudo o que você precisa para completar essa jornada e embarcar na próxima é coragem. Nada mais.
Coragem, a palavra ecoou em sua mente enquanto olhava para a vasta pradaria atrás de Araresa. No horizonte via uma cidade. Ela olhou para trás, onde a familiar floresta ganhara um ar de casa. Tentava se decidir, mas cada um dos tentáculos apontavam para uma direção diferente e não sabia qual seguir. Em uma árvore, o passarinho aguardava pacientemente sua decisão. Ela sabia que se saísse da floresta, ele não a seguiria mais, pois ali era o seu lar.
Em meio a sua indecisão, viu próximo dali, bem na saída da floresta, uma silhueta.
Aya reconheceu que a silhueta era de um lobo, mas qual, bom ou mau, ela não sabia dizer.


